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Novo estudo discute o direito de indígenas e camponeses à água no Brasil e no Burundi

O FNI conclui novo relatório às Nações Unidas sobre os desafios enfrentados pelas comunidades rurais e indígenas nos dois países.


Mulehres Batwa com cerâmicas tradicionais. Wikipedia, 2007.


Em seu "relatório de planejamento" elaborado para a 48ª sessão do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, o Relator Especial da ONU para os direitos humanos à água potável e ao saneamento, o Sr. Pedro Arrojo Agudo, identificou seus objetivos para os três primeiros anos do mandato: promover a governança sustentável e democrática da água em diferentes contextos, incluindo em áreas rurais e terras indígenas.


No contexto desses objetivos, o Relator Especial decidiu concentrar seus dois relatórios temáticos de 2022 nos direitos humanos à água e ao saneamento de comunidades indígenas e rurais pobres.


A fim de preparar esses relatórios, o Relator Especial abriu chamada de consultas para as partes interessadas relevantes. Em resposta, o Facts and Norms Institute (FNI) elaborou o relatório “Os direitos humanos à água potável e ao saneamento de povos indígenas e pessoas que vivem em áreas rurais: insumos para a ONU sobre Brasil e Burundi”.


Trabalho coletivo do Observatório Global de Direitos Humanos do FNI, o relatório foi cuidadosamente elaborado pelos pesquisadores Juscaelle Iradukunda e Henrique Napoleão Alves, Amael Notini e Ana Clara Abrantes Simões.


Com base em uma série de fontes governamentais, da academia e de organizações e agências internacionais (incluindo a Organização Mundial da Saúde, Unicef ​​e a Comissão Interamericana de Direitos Humanos), o relatório contém informações sobre o acesso geral à água e ao saneamento no Brasil e no Burundi , bem como o marco legal nacional relativo ao campo dos dois países, a situação das comunidades rurais e indígenas, a cooperação internacional e o contexto dos defensores de direitos humanos nos territórios.


Acesso geral (e rural) à água e ao saneamento


Apesar da relativa abundância de chuvas e recursos hídricos, o Brasil ainda não garante o acesso à água potável e ao saneamento para toda a sua população.


O acesso a pelo menos o nivel básico de água aumentou de 94% para 98% entre 2000 e 2017. Em ambientes rurais, o aumento no mesmo período foi de 74% a 90%. No entanto, em 2019, 100 milhões de pessoas não tinham acesso ao tratamento de esgoto, enquanto 35 milhões não tinham acesso à água tratada.

 

O Burundi é um país onde as chuvas são abundantes; no entanto, a nação ainda enfrenta grandes dificuldades para garantir o acesso à água e saneamento para toda a sociedade burundiana.


O acesso a pelo menos o nível básico de água no Burundi aumentou de 51% para 61% entre 2000 e 2017. Na área rural. o aumento foi de 48% para 57%, no mesmo período .


Em 2020, nas áreas rurais, 60% da população tem acesso à água potável, enquanto apenas 15% tem acesso ao saneamento. Em comunidades rurais remotas, há relatos de pessoas bebendo água de poças ou rios, ou tendo que percorrer longas distâncias para chegar ao ponto de abastecimento de água mais próximo.


Estes números são particularmente preocupantes, uma vez que aproximadamente 90% dos burundeses vivem em áreas rurais.


A falta de água potável e saneamento é um grande obstáculo ao gozo dos direitos humanos, incluindo os direitos à vida, nutrição e saúde.

Além disso, as dificuldades de acesso à água potável estão entre as principais causas de problemas de saúde entre crianças pequenas. O país também sofre com surtos persistentes de doenças como a cólera.


Marco legal e regulatório


O direito humano à água e ao saneamento deriva do direito a um padrão de vida adequado. O Brasil assinou e ratificou instrumentos internacionais que afirmam este último. O país também votou pela resolução 64/292 da Assembleia Geral sobre direitos humanos e acesso a água potável e saneamento.


O direito à água e ao saneamento, no entanto, ainda não é explicitamente reconhecido na Constituição brasileira, apesar das recomendações de diferentes Relatores Especiais da ONU. Uma proposta de alteração da Constituição para incluir expressamente o direito à água potável foi aprovada pelo Senado em março de 2021. O projeto estava pendente na Câmara dos Deputados. Nenhum avanço relevante foi realizado depois disso.


A estrutura legal dos serviços relacionados à água e saneamento foi severamente modificada em 2020. As mudanças foram lidas como orientadas para o mercado, mas sem uma abordagem baseada em direitos voltada às necessidades de grupos vulneráveis ​​nas áreas rurais e outras localidades. Ainda assim, o Supremo Tribunal Federal considerou essas mudanças lícitas.

 

O Burundi assinou vários instrumentos internacionais e regionais que reconhecem o direito humano à água potável e ao saneamento. O país endossou a resolução da AG da ONU sobre o direito humano à água e ao saneamento, bem como os objetivos de desenvolvimento da Agenda 2030 e da Nova Parceria para o Desenvolvimento de África.


Existem políticas e aparatos burocráticos dedicados à água e ao saneamento, além de legislações como o Código de Águas. No entanto, ainda não está claro se existe de fato um quadro jurídico e institucional coerente e eficiente. O gozo efetivo do direito à água e ao saneamento pelos mais vulneráveis ainda é uma meta distante.


A situação das comunidades rurais e indígenas


No Brasil, comunidades tradicionais — indígenas, quilombolas, entre outras — muitas vezes enfrentam dificuldades para o reconhecimento de seus direitos à terra.


A falta de garantia da propriedade e segurança da terra se traduz em dificuldades de acesso à água e saneamento, pois a instalação de serviços essenciais muitas vezes depende de títulos formais de propriedade.


O governo federal desempenha um papel central nessas questões. Nos últimos tempos, no entanto, as políticas fundiárias federais têm sido criticadas pela virtual suspensão da alocação de terras aos sem-terra (a população rural pobre), indígenas, quilombolas etc.; a expansão dos setores de agronegócio, mineração e energia e outros interesses privados dentro das terras indígenas; e a legalização da grilagem de terras, especialmente na Amazônia.


Foram registradas constantes falhas na implementação do consentimento livre, prévio e informado junto a quilombolas e outras comunidades tradicionais no contexto de projetos de desenvolvimento em seus territórios.


Entre eles, incluem-se projetos que resultaram no envenenamento de terras e águas com produtos químicos tóxicos usados ​​para o cultivo de monoculturas e/ou com o uso metais pesados ​​na água e no solo e, posteriormente, aumento das taxas de câncer na comunidade e mortes de crianças pequenas por envenenamento por metais pesados, sistemas de esgoto que poluem os rios utilizados pelas comunidades, e autorizações concedidas a mineradoras para uso de enormes quantidades das águas de barragens, sem estudo de impacto ambiental ou participação da comunidade.

 

O Burundi é um dos países mais pobres e menos desenvolvidos do mundo. Embora nove em cada dez burundenses sejam agricultores, o Burundi luta para alimentar toda a sua população. A pobreza rural é exacerbada pela falta de infraestrutura básica.


Os Batwa, também conhecidos como Twa, Abatwa, Ge-Sera ou Pigmeus da África Central, são um grupo indígena e os mais antigos habitantes registrados dos Grandes Lagos africanos.


No Burundi, os Batwa representam aproximadamente 1% da população. Vivem em condições precárias, em extrema pobreza, sem acesso adequado à água e ao saneamento.


Os Twa eram caçadores tradicionais. Quando a caça foi proibida no Burundi, eles foram privados de um aspecto importante de seu sustento. A maioria dos Batwa são sem-terra, poucos têm acesso a terra arável e, portanto, tentam sobreviver por meio da forja, tecelagem e cerâmica.


Há também relatos de casos em que os Batwa foram submetidos a práticas de trabalho forçado. As oportunidades educacionais também são dificultadas pelos custos indiretos associados à frequência escolar. Além disso, o acesso à educação é dificultado pelo alto número de crianças Batwa sem certidões de nascimento, devido à falta de registro. Este último também dificulta o acesso dos Batwa aos serviços de saúde.


Cooperação internacional


Em 2020, a população do Burundi foi afetada pelos efeitos devastadores de desastres naturais, um aumento significativo do retorno de refugiados ao país e o impacto socioeconômico da Covid-19.


Esses choques, combinados com a preexistente fragilidade de infraestrutura, serviços sociais básicos e mecanismos de resiliência no país, levaram 2,3 milhões de pessoas a condições de necessidade humanitária em 2021. Entre elas, 700.000 se encontravam em necessidade humanitária aguda, o que representa um aumento de 35% e 17%, respectivamente, em relação a 2020.


Todas as províncias afetadas têm graves necessidades intersetoriais, incluindo acesso à água, higiene e saneamento, segurança alimentar, saúde, educação e moradia.


Apesar das reduções no orçamento dedicado à água, saneamento e higiene de 2019/2020 a 2020/2021, houve registro contribuições recentes para a mudança de comportamento, incluindo boas práticas de higiene. Nesse sentido, o país conta com itens de higiene doados por doadores mobilizados pela Unicef ​​e por produtos inovadores fornecidos pelo Comitê Internacional da Cruz Vermelha. Adicionalmente, os últimos meses de 2020 testemunharam uma ajuda humanitária estabelecido com financiamento da União Europeia, voltada à assistência a escolas e centros de saúde para o acesso a água potável e saneamento.


Defensores de direitos humanos e ativistas


Publicado em setembro de 2021, um Relatório sobre ataques contra defensores da terra e do meio ambiente somou 227 defensores da terra e do meio ambiente mortos em 2020 em várias categorias e setores, entre eles “água e barragens”. Somente o Brasil foi responsável por 20 das 227 vítimas documentadas.

 

Ao longo das últimas décadas, Burundi passou por guerras civis cíclicas, que resultaram em uma alta sensibilidade em relação aos direitos humanos, particularmente aos direitos civis e políticos. Portanto, as organizações mais ativas são aquelas que lutam pela promoção e proteção dos direitos civis e políticos. Até hoje, são poucas as organizações envolvidas na promoção do direito à água potável e ao saneamento.

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